Michel Alcoforado, antropólogo carioca, infiltrou-se no universo dos multimilionários brasileiros para escrever Coisa de Rico (Todavia). Após 15 anos de pesquisa, a obra, fruto de sua tese de doutorado, tornou-se um dos livros mais comentados de 2025, com 10 mil exemplares vendidos e sete impressões só em agosto. Segundo ele, o fascínio pelas elites é global, refletido em séries como Succession. No Brasil, porém, os ricos não se reconhecem como tais: compram o livro tanto para confirmar seu status quanto para parecerem mais ricos. Para ser aceito nesse meio, Alcoforado precisou criar contatos, estudar hábitos, inventar até uma secretária falsa e enfrentar “testes de reconhecimento”: silêncios hierárquicos, name-dropping e duelos de cifras. Esses rituais servem para medir pertencimento e poder econômico. No Brasil, diferentemente da França, a distinção social é mais frágil. Os ricos se apresentam por meio de marcas, domínio do inglês e referências a restaurantes exclusivos. No name-dropping, por exemplo, citam “Fernando” em vez de “Fernando Haddad”, pressupondo intimidade. Já os duelos de cifras testam a capacidade de gastar ou investir milhões rapidamente. O livro também revela que as elites não se veem como parte da desigualdade. Para elas, o problema é do Estado. Apesar disso, não são indiferentes: há empatia diante da pobreza, embora sem disposição para mudar distâncias sociais. Politicamente, tendem à centro-direita, mas há ricos progressistas.
Alcoforado alterou nomes e não teme represálias. Muitos entrevistados riram ao saber do lançamento, alegando que “rico é sempre o outro”. Para o autor, trata-se de um fenômeno social, não de indivíduos. Ele afirma não sentir repulsa pelos ricos, mas pena: “Dá um trabalho enorme ser rico. A vida é organizada em torno da manutenção de fronteiras e patrimônio. Entrei espantado e saí com pena, pela dedicação quase desumana que precisam ter para se manter onde estão.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário