Juíza negra da Suprema Corte dos EUA marca posição contra atropelo das balizas constitucionais
Ketanji Brown Jackson, 54, firma-se como voz dissonante na América trumpista e alerta para tempos desastrosos
"Disaster looms". Foi assim que a juíza negra Ketanji Brown Jackson, 54, formada e esculpida em Harvard e atualmente a mais nova integrante da Suprema Corte americana, anunciou: "O desastre se aproxima". Ela falou após a vitória de Donald Trump entre seus pares, em decisão que blinda decretos do chefe de governo. Quase no mesmo momento, o presidente da corte, o juiz John Roberts, de perfil moderado, informou a jornalistas: "Nada me prenderá a Washington neste verão". Sintomático.
As duas declarações vêm na sequência do veredicto, considerado um abalo sísmico no mundo jurídico dos Estados Unidos, bem no momento em que o tribunal entra em recesso. Vale lembrar: a decisão de 27 de junho, impedindo juízes de instâncias inferiores de bloquear, via liminares, decretos do Executivo, foi um sonho realizado de Trump, empacotado em julgamento robusto: seis juízes conservadores votaram na tese vencedora, e três juízes progressistas, todas mulheres —Elena Kagan, Sonia Sotomayor e Ketanji Brown Jackson—, abriram votos divergentes.
Roberts saiu estrategicamente de cena, certo de que o assunto pode render. Antes, em rara entrevista, confessou preocupação com a violência contra juízes pelo país afora. Chegou a pedir moderação de fala aos agentes políticos. Deve se lembrar do assassinato, em 2020, do filho da juíza federal Esther Salas, de Nova Jersey, na porta da casa da família, por um tresloucado que se dizia antifeminista.
Tempos depois, relatório do U.S. Marshals Service, agência encarregada da segurança do Judiciário, confirmou o crescimento das ameaças. Só em 2023, quando a corte lidou com o direito ao aborto, foram mais de 400 casos.
Isso remete à manifestação de Jackson sobre o desastre que se aproxima. Indo além do profético ou enigmático, a juíza marca posição contra o atropelo das balizas constitucionais. Algo que afeta não só o direito à cidadania, como vários outros direitos, para dar passagem a ordens mirabolantes, entre elas, deportar em massa, rever a autonomia das universidades ou subjugar a advocacia. Ordens mirabolantes e, não raro, ilegais.
A juíza caçula da corte parece não querer se calar. Indicada em 2022 por Joe Biden, Jackson vem colecionando votos divergentes –observadores notam que têm sido mais longos e contundentes do que os da colega Sotomayor, conhecida pela farta argumentação.
Foi assim ao se manifestar sobre a Lei dos Inimigos Estrangeiros, com o qual tentou-se justificar o envio de venezuelanos para prisões em El Salvador. Neste caso, Jackson interpelou os pares, indagando se a corte não iria aprender com erros do passado. Em outros julgamentos, insiste que contextos não podem jamais ser esquecidos. E, fora do tribunal, seja em palestras, conferências ou reuniões de igreja, denuncia a intimidação da magistratura.
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