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quarta-feira, 15 de junho de 2022

SAIU EM "O ESTADO DE SÃO PAULO"

 EDITORIAL DO JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO

"Não há liberdade sem Justiça independente

A proposta do Centrão para autorizar o Congresso a rever decisões do STF viola a separação dos Poderes e agride a democracia. Por isso, não pode prosperar

O Estadão revelou que lideranças do Centrão estudam apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conferindo a deputados e senadores o poder de anular decisões não unânimes do Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia é atribuir ao Congresso uma nova função, a de revisor do Supremo. 

A proposta é um atentado contra o Estado Democrático de Direito, violando frontalmente uma das cláusulas pétreas da Constituição. “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes”, diz o texto constitucional. Não cabe ao Legislativo revogar, seja por que motivo for, decisão do Judiciário. E a razão é cristalina: a aplicação da Constituição e das leis não é uma questão política, decidida por maiorias parlamentares. Trata-se de um dos cernes da teoria da separação dos Poderes, que configura e estrutura todo o Estado. O que os líderes do Centrão estão debatendo afronta de forma radical o regime democrático, extinguindo de uma só vez a independência e a autonomia do Judiciário. É estrito golpe antiliberal. 

O documento do Centrão, a que o Estadão teve acesso, tem poucas chances de prosperar. Além de o conteúdo da proposta ser inconstitucional, o Legislativo não tem poderes para propor uma tal mudança, transformando o Judiciário em um subpoder. De toda forma, é sintomático da confusão dos tempos atuais que lideranças parlamentares aventem a ideia de uma capitis diminutio da Justiça. A ideia é completamente estapafúrdia, mas – eis um dos grandes desafios dos dias de hoje – parte da população considera justificada e legítima a perda de independência do Judiciário. 

Uma coisa é discordar de decisões judiciais, fazendo as críticas que cada um julgue pertinentes. No entanto, tem havido no Brasil coisa muito diferente. Assim como ocorreu na Venezuela com Hugo Chávez e vem ocorrendo em outros países com governos populistas antiliberais, observa-se uma campanha de enfrentamento e desmoralização da Corte constitucional, com o declarado objetivo de sujeitar o Judiciário aos outros dois Poderes. E, infelizmente não é nenhuma surpresa, essa campanha de retrocesso institucional e civilizatório tem conquistado muitos corações. Basta ver que Jair Bolsonaro, quando promete descumprir decisões judiciais – esse é o patamar das promessas do presidente da República –, recebe aplausos do público. 

Não há democracia sem Poder Judiciário independente. Não há liberdade sem Poder Judiciário independente. Isso não significa que a Justiça não erre ou que o STF dê sempre a melhor aplicação do texto constitucional. Há muitos desacertos por parte do Supremo, com decisões que causam danos, geram insegurança e produzem não pequena perplexidade. Com frequência, neste espaço, criticamos com contundência muitas interpretações da Constituição feitas por ministros do STF. Nada disso, no entanto, significa que se deva interferir na independência do Judiciário, alçando o Congresso à condição de revisor do STF. 

A defesa do Judiciário não representa nenhum tratamento especial em relação aos outros dois Poderes. Reconhecer o equívoco frequente de tantas decisões do Legislativo não autoriza pleitear o fechamento do Congresso ou a redução de sua independência. O mesmo ocorre com o Executivo. Por mais que alguém discorde do presidente da República, tal oposição não legitima privá-lo das competências presidenciais previstas no art. 84 da Constituição. 

Em vez de instituir a tutela do Judiciário pelo Legislativo, cabe ao Congresso cumprir suas atribuições constitucionais em relação ao Supremo. Nenhum ministro do STF assumiu o cargo sem a aprovação dos senadores. Se há uma insatisfação com a atuação da Corte constitucional, ao contrário de pleitear um atentado contra a separação dos Poderes, cabe exigir do Senado a realização, com a devida seriedade, da sabatina dos nomes indicados pelo presidente da República para compor o STF. 

Não se faz uma República com omissões ou golpes. Faz-se com respeito à lei e cumprimento dos respectivos deveres institucionais." 

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