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sábado, 31 de outubro de 2020

COLUNA DA SEMANA

TRÂNSITO EM JULGADO: GRANDE ENGODO

O princípio respeitado pela Justiça brasileira de cumprimento da pena somente depois do trânsito em julgado da decisão constitui trunfo dos grandes escritórios de advocacia para assegurar liberdade para os empresários e políticos que cometem crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, estelionato e outros; a consequência desta situação é penalizar os pobres, que não dispõem de recursos para arrastar o final do processo até a morte, sem punição. A assertiva dessa gente é que sem o trânsito em julgado, não há condenação definitiva apta a encarcerar "homens de grandeza moral como são nossos políticos e empresários". Grande engodo, pois não se pode concluir que a sentença, do juiz, e o acórdão, do tribunal, não sejam suficientes para assegurar a prática do crime. 

Passamos por dois períodos curtos, nos quais, num primeiro momento, até fevereiro/2016 prendia-se somente depois do chamado trânsito em julgado, ou seja, depois da apreciação pelos tribunais dos inúmeros recursos. Só para se ter idéia do que significa isso, recorde-se que o ex-senador Luiz Estevão foi condenado a 31 anos de reclusão, pela prática dos crimes de peculato, corrupção ativa, estelionato, formação de quadrilha e uso de documento falso, no ano de 2006. O ex-senador, no período de 10 anos, ingressou com 34 recursos, visando postergar o cumprimento da pena, mas só foi recolhido depois do entendimento do STF de prisão após decisão de um colegiado, em 2016. Aliás, tornou-se o primeiro senador da República a ser condenado e a cumprir pena. 

Para este entendimento, prisão após condenação de um colegiado, os ministros definiram que não há violação ao outro princípio da presunção de inocência e assim vigorou a prisão que acabou, no período de 2016/2018, com a "indústria dos recursos protelatórios". Todavia, o então presidente Dias Toffoli, pautou julgamento de três Ações Declaratórias sobre o tema, medida que a ex-presidente Carmen Lúcia recusou-se, sob fundamento de que a Corte já tinha definido acerca do assunto, em 2016, e não seria viável nova apreciação, sabendo-se do grupo de ministros que preparavam para libertar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Estava havendo verdadeira rebeldia ao cumprimento da prisão após condenação de um colegiado, pois os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio não respeitavam a decisão do Plenário e passaram a liberar presos com a sistemática antiga, ou seja, prisão após julgamento de todos os recursos, o que implica em impunidade como ocorre atualmente. 

Toffoli planejou para o último ano, na presidência do STF, para mudar o que já tinha sido definido em 2016 e juntou com os três ministros acima nominados para pautar os processos, visando unicamente a concessão de liberdade para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado a quase 20 anos de prisão. A relatoria das três Ações Declaratórias era do ministro Marco Aurélio, que antes do julgamento, propalou seu posicionamento. Finalmente, em dezembro/2018, às vésperas do recesso do Tribunal, foi decidido e mudado o que tinha sido fixado apenas dois anos atrás, em 2016. 

O Congresso Nacional iniciou a apreciação de projeto de lei para penalizar após condenação por um colegiado; a proposição movimentou-se até antes da apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça, onde se encontra paralisada, a despeito de alguns requerimentos de poucos deputados para sua movimentação. Afinal, não há interesse do Congresso, porquanto grande parte de seus membros poderão ser trancafiados pela prática de crimes que, com o trânsito em julgado, permanecem sem finalizar e, portanto, não são punidos.   

Salvador, 30 de outubro de 2020.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.  


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