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sábado, 21 de junho de 2025

SAIU NA FOLHA DE SÃO PAULO

Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto"

SALVAR ARTIGOS

Mario Sergio Conti

Israel e Estados Unidos podem explodir o mundo e matar bilhões, o Irã não

Começa um tempo resumido numa frase por Nikita Kruschev a John Kennedy: 'Os sobreviventes invejarão os mortos'

 

Tulsi Gabbard, a diretora nacional de Informação nomeada por Trump, foi taxativa em 25 de março: "A Comunidade de Informação avalia que o Irã não está construindo uma arma nuclear e o supremo líder Khamenei não autorizou a retomada do programa de armas nuclearesque suspendeu em 2003."

Contudo, a pretexto de que o Irã estaria prestes a ter uma arma atômica —seria uma questão de dias— Israel despeja bombas na República Islâmica. Como não há intersecção entre o discurso da ministra e a realidade do bombardeio, foi com uma franqueza bestial que Trump disse: "Não ligo para o que Tulsi Gabbard disse."

As armas nucleares são uma desculpa para que Tel Aviv invada uma nação ao arrepio da lei, alveje usinas nucleares e mate civis intencionalmente, três violações evidentes de tratados internacionais—da Carta da ONU à Convenção de Genebra.

Ao longo da semana, Trump e Netanyahu lustraram sua cara de pau com óleo de peroba e disseram que o toró de bombas visaria dizimar o governo de Khamenei —ilegalidade que os "faria limers" chamam de "regime change".

Esse filme já passou no Afeganistão e no Iraque, lembra? Um bando de caubóis acabaria com as armas de destruição em massa, chacinaria o mulá Omar e Saddam Hussein, e enfiaria a democracia dos "founding fathers" —como se fala nos Jardins— no reto de uma gentalha que come com a mão.

Sobre o mapa mundi aberto, duas figurinhas vestidas de terno estão a ponto de detonar os dinamites espalhados pelos continentes.
Ilustração de Bruna Barros para a coluna de Mario Sergio Conti de 20 de junho de 2025 -  Bruna Barros

Resultado em Cabul: Rambo fugiu de rabo entre as pernas e o Talibãvoltou ao poder. E em Bagdá: entre 2003 a 2021, Bush 2º, Obama, Trump e Biden sepultaram 1 milhão de iraquianos; o que era uma nação virou uma colcha de retalhos étnicos e religiososEstados Unidos, Rússia, Inglaterra e China dividiram entre si reservas e usinas de petróleo.

Israel apregoa que o Irã não pode ter armas atômicas por ser um Estado bandido ("rogue state", diz-se no Harmonia): tortura adversários, reprime mulheres, censura a imprensa, não respeita leis nem tem bons modos. Ou seja, Teerã faz o que Pequim e Pyongyang fizeram e fazem —mas que juntaram seus arsenais atômicos sem serem molestados.

Israel, por sua vez, também tem traços de Estado pária: é autocrata em Gaza na Cisjordânia; entrou na marra na Síria, que nem de longe é uma "ameaça existencial"; matou 17 mil crianças; é acusado de crimes de guerra; fomenta a fome palestina.

Reza a lógica israelense que, como o Irã de Khamenei —"psicopata", "novo Hitler"— quer extinguir Israel, é legítimo obliterá-lo. Mas, igualmente, como Israel não aceita um Estado dos palestinos, eles podem exterminar quem os impede de tê-lo?

Quanto às armas atômicas, a questão é: por que Israel, Estados Unidos, Rússia, Índia, Reino Unido, Paquistão, França e Coreia do Norte têm direito a elas, e o Irã não?

Saiu há pouco um livro que tangencia essa questão: o tétrico "Guerra Nuclear: Um Cenário", da pesquisadora americana Annie Jacobsen, pela editora Rocco. Com base em centenas de documentos oficiais, e dezenas de entrevistas com entendidos, ela conta o que aconteceria nos 72 minutos seguintes ao hipotético disparo de um míssil rumo a Washington.

No cenário de Jacobsen, a ogiva nuclear é norte-coreana e pode dizimar 1 milhão de pessoas. Ela relata, minuto a minuto, os procedimentos americanos reais: os atos da cadeia de comando, os protocolos de contra-ataque, as tomadas de decisões, o mecanismo de interceptação de mísseis, o que faz o presidente, onde o governo se esconde, o aviso a outros países.

"Guerra Nuclear" prova que os erros são mais prováveis que os acertos. Por exemplo, o presidente tem seis minutos para decidir, com base em informações fluidas, se revida o ataque, desencadeando uma catástrofe nuclear planetária, ou aceita a morte de 1 milhão de americanos.

Nesses minutos estoura uma briga entre os militares que querem levar o presidente para um abrigo e os que querem que decida o que fazer. De atraso em atraso, erro em erro, a Rússia pensa que é o alvo americano e contra-ataca. Dos 8 bilhões de terráqueos, 5 bilhões morrem.

Tal como o conhecemos, o mundo acaba e se inicia o inverno nuclear. O céu é coberto por nuvens indevassáveis; nada germina e a fome campeia. A anarquia vige. Começa um tempo que foi resumido numa frase por Nikita Kruschev, o premiê soviético, na crise dos mísseis de 1961. Ele disse a John Kennedy, o presidente americano: "Os sobreviventes invejarão os mortos."

Então, pense bem e diga quem é mais maluco, mais capaz de deflagrar uma guerra nuclear: Trump, Netanyahu, Khamenei, Kim Jong-um?

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