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domingo, 14 de janeiro de 2018

O MASSACRE DA PRAIA VERMELHA, EM 1968 (II)

Evidente que tomamos algumas precauções para o ataque iminente, com a programada invasão da Faculdade pela tropa da ditadura militar; nessa expectativa, formamos comissões, uma das quais de segurança para enfrentar os militares, fortemente armados; os estudantes estavam divididos em turmas e eu pertencia ao grupo de segurança; todavia, nossas armas limitavam-se a pedras, paus, encontrados no prédio, enquanto a Polícia vinha com todo o armamento possível e com muitos homens, mais de 1.000 segundo os jornais da época, para lutar contra estudantes que apenas debatiam sobre o movimento estudantil. 

A comissão de segurança subiu para o 3º piso, onde armazenamos paus e pedras e a expectativa era muito grande, mas ninguém imaginou ou amedrontou com o que poderia acontecer. Cuidamos de despertar alguns colegas que já dormiam sob nossa proteção e para o rodízio da comissão. 

Entre as 2.00 e 3.00 horas da madrugada, já do dia 23/09/1966, a Polícia arromba o portão e invade o prédio; a maioria dos estudantes subiu para o 2º e 3º pisos, onde estava a comissão de segurança, com paus e pedras. A dúvida era se deveria continuar a resistência, com pedras e paus ou submeter aos rústicos, portadores de cassetetes, bombas e armas de fogo. Apesar de nossa disposição para enfrentar a Polícia, a maioria, em rápida Assembleia, decidiu pela retirada, que terminou sendo de estúpida crueldade! 

O arrombamento, a invasão e a retirada foram momentos dramáticos; a violência estava estampada no rosto dos policiais, que já pareciam aborrecidos com o longo tempo de negociação sem resultado algum; por isso, invadiram com raiva “nos dentes” e, posteriormente, soubemos que os policiais estavam drogados. A pancadaria iniciava no 2º andar do prédio e prosseguia pelo corredor polonês, no térreo, na saída da Faculdade de Medicina; todos nós teríamos de passar por ali; um carro grande, desses de carregar presos, ficava a postos, com a traseira aberta, na saída da Faculdade e final do corredor polonês, para onde eram recolhidos os estudantes, depois de apanhar com “cassetetadas”, ao passar pelo meio da fila do corredor. 

Lembro-me bem de um colega que ia na minha frente; era alto e forte e, talvez por isso, apanhou dos dois lados do corredor; um policial, maldosamente, deu-lhe uma pancada certeira nos seus órgãos genitais e a queda foi imediata. Tínhamos de continuar andando, independentemente do que houve, e para evitar maiores pancadas. Eu tinha estatura média, raquítico e, felizmente, não recebi borrachada que me impedisse de andar e correr; na saída, desviei do “brucutu”, que parecia esperar-me, e tomei o rumo de casa. Àquela hora, se tinha ônibus circulando entre a Urca e o Flamengo ou Catete, eram poucos. Mas, confesso que isso pouco importava-me, pois morava na rua Correia Dutra, bairro do Flamengo, e, sem observar circulação de ônibus, fui correndo, pela orla, da Faculdade de Medicina, na Urca, passei por toda a praia de Botafogo, sempre olhando para trás, temendo perseguição, e cheguei ao Flamengo, onde residia, com dois irmãos, que estavam preocupados, pois acompanharam a evolução da noite/madrugada pela TV. Estava são e salvo, apesar de bastante cansado. Nunca corri tanto, como naquele dia, em torno de 5 quilômetros de distância; o pior é que estava sozinho, pela madrugada, com fome e estressado, pois, como disse, fui um dos poucos que conseguiu escapar. 

A fúria dos policias não respeitava as moças, que recebiam pancadas inclusive nos seios; apanhavam da mesma forma que os homens e a violência foi tamanha que realmente contribuiu para arrefecer os ânimos dos protestos, talvez pela interferência dos pais sobre os filhos. Os movimentos, em sua maioria, foram suspensos e a movimentação estudantil só retornou em 1988 com a passeata dos 100 mil. 

Na manhã daquele dia, 23/09/1966, soubemos que os policiais adentraram pelo prédio à procura de lideranças estudantis; queriam Vladimir Palmeira e outros líderes, que conseguiram evadir-se, com o grupo de segurança que lhes acompanhava. Mas os militares deixaram seus rastros: destruição dos laboratórios da Faculdade. 

Alguns professores lamentavam a violação à autonomia universitária, mas diziam que isso já tinha ocorrido em outras ocasiões; transformaram as universidades em departamento do governo; diziam outros mestres da admiração pela resistência e “bravura” dos estudantes. 

Não houve mortos, no denominado “Massacre da Praia Vermelha”, mas muitos feridos e inúmeras prisões. 

Os estudantes de 50 anos atrás, insurgiram contra a opressão do regime militar e muitos deram suas vidas pelos seus ideais. Hoje, o silêncio, a acomodação, a aceitação de tudo que vem dos governos, julgados corruptos pela Justiça, é aceita pela UNE e lideranças estudantis, que só existiu para receber as verbas, resultado do conluio governo e UNE; nós não rendemos à repressão bruta dos militares. 

Por isso, lamento o desconhecimento dos jovens, quando gritam, no aconchego de suas famílias, pelas redes sociais, quando gritam por um governo militar: pena que não conviveram com o regime de 1964 e não sabem as consequências de uma ditadura. 

Outros registros, nos quais eu participei, serão relatados.

Salvador, 14 de dezembro de 2018. 

Antonio Pessoa Cardoso 
Pessoa Cardoso Advogados.

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