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sábado, 13 de janeiro de 2018

O MASSACRE DA PRAIA VERMELHA, EM 1968 (I)

Na verdade, a invasão da Faculdade Nacional de Medicina, na Urca, deu-se bem antes dos movimentos de 1968. Isso ocorreu em 1966, quando eu cursava o 2º ano na “Faculdade Nacional de Direito”, no largo do Caco, no Campo de Santana ou Praça de República, no Rio de Janeiro e depois da edição do Ato Institucional n. 2, sob a presidência do primeiro dos governos militares, marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. 

A UNE, extinta por ato do governo militar, convocou greve geral e as passeatas sucediam-se no Rio de Janeiro e em várias capitais do país; o grito dos estudantes era “Povo organizado derruba a ditadura”. Esse foi o ponto inicial para a arregimentação dos estudantes no centro do Rio e depois na Faculdade Nacional de Medicina, na Urca, no 22 de setembro de 1966.

O movimento estudantil em setembro/1966, ficou conhecido sob a denominação de a “Setembrada”. É que várias ocorrências se deram neste mês. A UNE e as entidades estudantis passaram a não ser reconhecidas pelo governo militar, mas isso não atrapalhou as manifestações; as aulas eram suspensas, as manifestações espontâneas em quase todo o Brasil sucediam-se quase diariamente, a violência robustecia ainda mais a luta estudantil, as prisões eram comuns e a efervescência do movimento estudantil feria o brio dos militares, no poder. Algo semelhante com o que se viu na Venezuela, no ano passado, agora paralisado sem conquista alguma para o povo contra a ditadura de Nicolás Maduro. 

Éramos mais de 500 estudantes universitários, discutindo os rumos do movimento, face às mudanças, pretendidas no ensino superior, além do cerceamento das liberdades individuais, tema presente em todas as reuniões. O governo queria impor às Universidades o modelo de Ensino Superior vigente nos Estados Unidos; era o Acordo MEC-Usaid, que todos repelíamos. Outros temas na pauta do encontro na Faculdade de Medicina: o fim da cobrança de anuidades, a luta contra a proibição das atividades políticas entre os estudantes, estabelecida pela Lei n. 4.464/64, a famigerada Lei Suplicy de Lacerda, ministro da Educação, além de temas do dia a dia, a exemplo do aumento das refeições no Calabouço, a libertação do colega Rodrigo Lima da Faculdade Nacional de Direito.

Antes da ocupação da Faculdade de Medicina, a Polícia já tinha invadido e dissolvido o Centro Acadêmico Cândido de Oliveira, CACO, além de prisões na Faculdade Nacional de Filosofia. Como dissemos acima, foi decretada greve geral e as passeatas mostravam a força da unidade do movimento, para desalento dos militares.

Voltemos à tensão do dia da invasão, na Praia Vermelha, onde aglomeravam estudantes de várias faculdades, inclusive da Nacional de Direito. As tropas deslocaram-se do centro do Rio, onde se realizava uma passeata, para a Urca, para onde rumamos; os policiais cuidaram de cercar, por todos os lados, a Faculdade, exigindo nossa saída; enquanto isso, as assembléias eram realizadas, no interior do prédio, com debates sobre um novo assunto, a saída pacífica. Neste sentido, apareceram para intermediar uma saída honrosa, vários professores, pais de alunos, inclusive o reitor Pedro Calmon, meu professor de Introdução à Ciência do Direito, na Faculdade Nacional de Direito. Processavam-se negociações para a desocupação da Faculdade, mas decidimos que não iríamos sair. 

Além de professores, pais de alunos negociavam a retirada, mas a Polícia parecia está drogada e esperou a madrugada para surpreender os estudantes com bombas e cassetetes. 

O grupo de policiais aumentava com o passar do dia e ameaçava invadir, mas não nos retiramos do local; a ordem para evacuar o prédio não era obedecida, salvo por uma pequena minoria; estávamos num ambiente que a Polícia não poderia invadir, em respeito à autonomia universitária, apesar de nada valer para o governo militar. A Universidade de Brasília foi bastante penalizada, ferindo em vários momentos, com invasão de seu campus. Toda a liderança do movimento estudantil estava no local, inclusive Vladimir Palmeira. 

Vladimir e Ana, sua namorada, estudavam na Faculdade Nacional de Direito. O Centro Estudantil dessa Faculdade era destaque no movimento estudantil: o CACO. Ana era minha colega de turma, no turno noturno da Faculdade. Ainda quando ele era deputado, tivemos encontro rápido, na Câmara dos Deputados, em Brasília. 

À noite chega e o terror estava plantado com todos os canais de televisão dando notícias sobre a eventual invasão da Faculdade. Já não tínhamos dúvidas de que as tropas estavam preparadas para a invasão; o cerco estava sendo montado, pelo fundo da Faculdade. Ademais, a televisão passou a noite e madrugada registrando as ocorrências do movimento. 

Salvador, 13 de dezembro de 2018.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.

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