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segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

O “LAMPIÃO”

Original de "Lampião"
Original da matéria que escrevi

Os estudantes que enfrentaram os militares, no golpe de 1964, buscaram todos os meios para contestar a ditadura e mostrar ao povo a intolerância e a opressão dos governos militares. Trabalhávamos em grupos, com distribuição de tarefas; enquanto uns cuidavam de disseminar as novas ideias através da imprensa falada e escrita, outros atuavam na segurança e atividades variadas. 

Eu e mais três colegas criamos um jornaleco e atravessamos a baía da Guanabara para imprimi-lo, na cidade de Niterói, onde residia um dos colegas; o nome do jornaleco era “Lampião”. A redação não oferecia dificuldade, mas a distribuição mostrava-se bastante complexa, pois sabíamos que éramos procurados por agentes que penetravam no nosso meio para “dedurar”, daí toda cautela com a entrega; um de nós mantinha contato com outro estudante, a quem eram entregues os números do “Lampião”, em Niterói, este repassava para um terceiro, perto das barcas, ainda em Niterói; ao chegar do outro lado, na Guanabara, um outro estudante recebia para transferir a um quarto estudante que se encarregava de fazer a distribuição na Faculdade Nacional de Direito. Os agentes do DOPS e do SNI nunca descobriram quais estudantes eram responsáveis pelo “Lampião”.

Na primeira página do “Lampião”, no ano II, n. 3, está a manchete: “SNI invade FND”, iniciais da Faculdade Nacional de Direito. Esse cuidado, por vezes exagerado, prestava-se para garantir nossa segurança e atrapalhar o trabalho dos “dedos duros”.

Nessa época, eu trabalhava num banco e numa empresa distribuidora de notícias, “Asapress”, e à noite estudava na Faculdade Nacional de Direito. Ainda bem que era gratuita, pois, do contrário, não sei como iria concluir meu curso, já que a Faculdade Cândido Mendes, onde também enfrentei o vestibular e passei, as mensalidades eram muito altas. O salário da “Asapress”, atrasava, às vezes, por dois ou mais meses. 

O chefe de redação escalou-me para fazer uma reportagem no Ministério do Exército, na praça da República, mas não consegui o intento, porquanto não me permitiram acessar aos comandantes de patentes mais altas. Isso não me desencorajou, nem perdi ponto com o chefe, porquanto ele mesmo confessou-me da dificuldade que todos enfrentavam para obter uma entrevista com esse pessoal.

Outra reportagem que marcou minha passagem pelo jornalismo deu-se com a matéria sobre o jogo de bicho; nem mesmo a juíza Denise Frossard, então titular da 14ª Vara Criminal, conseguiu acabar com o jogo no Rio de Janeiro, apesar da condenação de Castor de Andrade e mais 13 dos maiores banqueiros, em 1993, enquadrados no crime de formação de quadrilha, com pena 6 anos. 

Marcamos encontro, num bar, na rua Dois de Dezembro, no Flamengo. O chefe de banca de jogos, nosso entrevistado, dizia-nos, que, naquela época, a corrupção era grande nos meios policiais e entre os governantes. Contou-me várias facetas sobre o jogo do bicho, abertamente, sem pedir sigilo para nada; essa reportagem saiu em vários jornais do país. Na reportagem, colhemos a informação de que o governador da Bahia, Juracy Magalhães, o governador do Rio, Carlos Lacerda, recebiam “verbas de nossas mãos” e fizeram muitas obras com dinheiro do jogo do bicho.

Eu estava com um surrado terno azul marinho e o bicheiro à vontade. Conversamos por aproximadamente uma hora, em pé, no passeio, em frente, ao bar, na rua Dois de Dezembro, no Flamengo.

O destaque da entrevista, naquele momento, não ficou pelo que ele me contou, mas pelo estado no qual deixou meu terno, de azul marinho, tornou-se branco; o homem mascava chiclete e, de tanto falar, “babou” em toda a frente de meu paletó; ainda tentou diminuir o prejuízo com um pano em água quente, mas não evitou que eu fosse para casa a fim de vestir outra roupa.

Salvador, 15 de janeiro de 2017.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.

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