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segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

JUIZ DE GARANTIAS, PROTEÇÃO PARA O CRIMINOSO, DESCUIDO COM A VÍTIMA

O Congresso ainda não decidiu sobre o Projeto que altera o Código de Processo Penal, tramitando na Casa legislativa, desde 2009, incluindo o juiz de garantias, matéria que, por ser uma boa ideia, deveria ser debatida e não empurrada garganta abaixo, sem observar princípios desrespeitados. Nesta oportunidade, esse mecanismo apareceu por inclusão de um deputado de esquerda, vinculado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No pacote original, encaminhado pelo ministro da Justiça ao Congresso, não se previa a criação do juiz de garantias, simplesmente porque de difícil implantação. Antes da Lei n. 13.964/2019, o Código de Processo Penal determinava apenas um juiz para praticar todos os atos do processo, inclusive o recebimento da denúncia e a sentença; e essa conduta sempre foi normal, respeitando o princípio do juiz natural, que instrui e que julga, portanto vinculado ao processo. 

Com a alteração, a nova figura será incumbida pela “legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais", a praticar todos os atos até o recebimento da denúncia, quando passa o processo para o juiz da instrução, violando a vinculação do juiz ao processo, porque um colhe as provas, conhece os fatos do processo, e outra firma sua convicção e decide. Com a lei, qualquer decisão até a denúncia passa a ser do juiz de garantia que definirá sobre a prisão provisória, sobre produção antecipada de provas, prorrogação do inquérito ou seu trancamento, sobre a autorização de intercepção telefônica, sigilo fiscal, bancário, busca e apreensão, instauração de incidente de insanidade mental, julgamento de Habeas Corpus antes do oferecimento da denúncia, inclusive sobre o recebimento desta. Preocupou-se bastante com toda garantia para o criminoso e esqueceu-se da vítima. 

A lei não estabeleceu período de transição para adaptação ao novo sistema, daí porque deverá entrar em vigor já no dia 23 de janeiro; não se sabe como, porquanto, faltam juízes para as comarcas, atualmente, quase 2 mil, e reside a indagação de onde serão encontrados julgadores para exercer essa nova função, pois serão necessários dois juízes onde existe um, em 40% de todas as comarcas. Imaginem a situação da Bahia, onde temos quase 500 cargos vagos, situação que não se mostra tão diferente do que ocorre em outros estados. 

E não venha com o argumento de que é fácil o deslocamento de um juiz em comarca contígua; este fundamento pertence aos teóricos que não conhecem a realidade dos fóruns, pois se o juiz titular não tem condições de cuidar bem de seus processos, na comarca onde é titular, como vai dispor de tempo para dedicar a outra função em outra unidade? E mais, é muito comum a figura do juiz substituto, ou seja, o juiz acumulando mais de uma comarca; todavia, para exercer todas as funções, na área cível, na criminal, na eleitoral além dos encargos administrativos, claro que não lhe sobra tempo para amontoar mais esse segmento de juiz de garantias. Nem se fala sobre a inconstitucionalidade da lei, seja porque matéria judiciária, portanto a iniciativa de leis é de competência do Judiciário, seja porque não se estabeleceu recursos para a criação do juiz de garantia, figura totalmente nova no direito brasileiro. 

Relembre-se que uma decisão do ministro Joaquim Barbosa, em 2013, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, suspendeu os efeitos da Emenda Constitucional n. 73, exatamente por vício de iniciativa, art. 96, inc. II, alíneas "a”e "b" da Constituição. O ministro impediu a criação de quatro tribunais regionais federais, porque projetos de lei ou de emendas constitucionais que tratam da administração da Justiça, da criação ou extinção de tribunais, e devem ser propostas ao Congresso pelo Supremo. No caso do juiz de garantias não se pensou em despesas e nem se programou destinação orçamentária para sua implementação. 

Registre-se que a figura do juiz de garantias, onde pode ser implantado é muito bem-vinda, mas não no momento em nossas comarcas. Já se imaginou sobre o tempo do magistrado na comarca: 10 dos 12 meses, afora recesso e outras folgas; o que dizer do juiz do cível no encargo de juiz criminal? O que se pode falar sobre a estrutura deste juízo: quais os servidores do juiz de garantias: serão os mesmos que servem nos cartórios atuais? Estes já são poucos e forçam os magistrados a buscar funcionários das prefeituras, dentre as cidades que formam a comarca. 

Ao que parece o objetivo de quantos lutaram pela implantação abrupta do juiz de garantias resume-se em dura crítica aos juízes nos processos criminais ou visa tumultuar o processo, defendendo uma justiça lerda, incapaz de punir os corruptos endinheirados, porque mais um ingrediente para vencer com a prescrição do crime. 

Salvador, 28 de dezembro de 2019. 

Antonio Pessoa Cardoso 
Pessoa Cardoso Advogados.

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