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quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

SAIU DA FOLHA DE SÃO PAULO

Rui Tavares

Historiador, deputado na Assembleia da República de Portugal e ex-deputado no Parlamento Europeu; autor de 'Agora, Agora e Mais Agora'

 
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Rui Tavares
Descrição de chapéuGUERRA DA UCRÂNIA

Como reagir a um mundo de paranoicos?

Comentaristas russos ameaçam 'só parar em Lisboa' enquanto Putin intensifica retórica contra apoio europeu à Ucrânia Retórica usada por potências para justificar agressões lembra táticas de Hitler antes da Segunda Guerra Mundial

Escrevo de Lisboa e, para mim, é desagradável que os comentaristas da televisão russa, cujas opiniões frequentemente aparecem traduzidas nas redes sociais, insistam em concluir as suas falas contra a Europa dizendo que "se for necessário, só pararemos em Lisboa".

É com essa perspectiva que se devem interpretar as publicações do ex-presidente russo Dimitri Medvedev, hoje vice-presidente do Conselho de Segurança da Federação Russa, que regularmente as termina enfatizando o objetivo de "uma Europa aberta, de Lisboa a Vladivostok". Uma Europa aberta, bem entendido, às exigências e aos caprichos do Kremlin.

E nesta terça-feira (2) foi a vez de o próprio Vladimir Putin dizer que a Rússia"está preparada para a guerra com a Europa". Claro que prefaciou essas declarações dizendo que "a Rússia não quer a guerra, mas se a Europa insistir em querer a guerra, estamos preparados".

Que guerra é essa que Putin diz que a Europa quer? Apoiar a Ucrânia na defesa do princípio básico de que um país não pode ser retalhado pelo seu vizinho mais poderoso e armado?

A atitude de Putin é igual à de tantos agressores que culpam as vítimas pelas suas agressões. Também Adolf Hitler dizia em 1939 que o seu "amor pela paz" e a sua "infinita paciência" não deveriam "ser confundidos com fraqueza ou mesmo com covardia". E no dia seguinte à invasão da Polônia, naquele ano, mentiu dizendo que Varsóvia havia disparado pela primeira vez contra o território alemão para chegar à conclusão que sempre desejou: "De agora em diante, bomba será paga com bomba!"

Estarão os europeus sendo paranoicos ao levar a sério as frases de Putin e companhia? O que deveríamos fazer, então?

Noutro hemisfério, como se deve reagir às inversões de linguagem que Trump usa para justificar uma escalada que hoje já não é apenas retórica, e amanhã quem sabe o que será, contra a Venezuela?

Tal como as migrações são descritas como invasões para justificar a repressão armada, o tráfico de drogas é empacotado numa retórica de "envenenamento e narcoterrorismo" que não é mais do que a invenção de um "casus belli", um pretexto para a guerra, quer ele venha mesmo a ser usado ou não.

Mesmo para quem não gosta de Nicolás Maduro e rejeita o seu regime autoritário que posa como bolivariano, é evidente que isso não passa de uma farsa com consequências potencialmente perigosas.

Lá Fora

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Nesse sentido, a América Latina e a Europa têm mais em comum do que costuma ser notado. Somos ambos conjuntos de países diversos, por vezes traumatizados, mas de forma geral pacíficos, que têm de partilhar o seu continente com um vizinho que reagiu mal à sua decadência imperial e deseja regressar à sua "esfera de influência" original, mandando nos vizinhos à sua volta.

E conviria que serenamente, discretamente, sem levantar ondas, mas metodicamente, fôssemos nos preparando para sermos o adulto responsável na nossa parte do mundo, inclusive nas relações entre nós.

Exagero? "Só porque és paranoico não quer dizer que não andem atrás de ti", diz uma frase que ninguém sabe muito bem quem inventou. A questão para mim, hoje, é saber a quem ela se pode aplicar. 

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