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quarta-feira, 12 de setembro de 2018

CINTRA E A INDEPENDÊNCIA DO JUDICIÁRIO

Desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra

A história do Tribunal de Justiça da Bahia, nos últimos anos, passa por dois períodos: antes e depois do desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra. O Judiciário do Estado esteve entregue ao Executivo, comandado de fato pelo ex-governador Antonio Carlos Magalhães, tratado por alguns desembargadores como “meu chefe". As atividades da Corte passavam sempre pela aprovação do Executivo. O panorama mudou depois que o desembargador Cintra assumiu a presidência. 

Nesse cenário nebuloso e incompreendido por muitos, apareceu, em 1994, um Procurador-geral de Justiça, que se tornou desembargador por recomendação do chefe politico. Era-lhe reservada uma missão que, talvez ele mesmo, não visualizava: desatrelar a Justiça do Executivo, torná-la autônoma, transparente, independente. Ninguém tentou antes, porque a agregação soava a naturalidade das coisas e a impregnação estava amarrada pelo medo com um feudo muito bem trabalhado no curso do tempo. 

Cintra tornou-se Promotor de Justiça em abril/1969 e em 1978 assumiu a Curadoria Geral da Quarta Vara de Assistência Judiciária da Capital; assumiu o cargo de Procurador em 1991 e reeleito em 1993, onde ficou até janeiro/1994. Não nega que, para assumir a direção da Procuradoria e mesmo para chegar ao Tribunal, contou com o apoio do ex-governador da Bahia de quem não guardava qualquer mágoa ou reprimenda. 

As eleições para o Tribunal de Justiça, em 2002, marcou uma reviravolta jamais imaginada pelos operadores do Direito da Bahia. O ex-senador Antonio Carlos Magalhães, por motivação íntima, escolheu como candidato à presidência do Tribunal, conduta sempre adotada, o desembargador Amadiz Barreto. Seus candidatos sempre eram vencedores, mas Cintra apareceu, evidentemente contrariando o chefe politico da Bahia, porque um queria continuar mandando no Tribunal, enquanto o outro buscava indepedência da Corte, com apoio de magistrados, servidores e de todos os operadores do Direito, pois a submissão do Judiciário ao Executivo já era cantada em prosa e verso pelo Brasil afora. 

O des. Cintra tem a virtude de saber ceder e conciliar; neste sentido tentou evitar o choque com o ex-governador, através de várias propostas, uma das quais renunciando à disputa e indicando para a presidência o nome do des. Eduardo Magalhães, irmão do ex-governador. Afinal, Cintra reconhece que foi nomeado Procurador-geral da Justiça e desembargador com apoio do ex-senador, Antonio Carlos Magalhães e nunca negou sua amizade e gratidão; todavia, não havia acordo, porquanto a opção do chefe politico do Estado era pelo nome do desembargador Amadiz Barreto e com esse intuito visitou todos os desembargadores pedindo votos para seu candidato. 

O ex-senador dava entrevistas e negava qualquer submissão do Judiciário ao Executivo; assegurava que nunca pediu a qualquer desembargador favor pessoal ou mesmo para o Estado, quando governou a Bahia; entretanto, os magistrados e o povo sabia que essa não era a realidade, porquanto havia interferência de toda ordem até mesmo nas nomeações de juízes para esta ou aquela Comarca. Muitos casos foram registrados de juízes que não atenderam a pedidos do "chefe" e eram simplesmente eliminados de eventuais promoções. 

Na trajetória do desembargador Cintra, ele recordava para a imprensa que havia três tipos de Justiça no Brasil: a boa, a ruim e a da Bahia. Sua luta era para transformar o Poder Judiciário da Bahia  inserindo-a na categoria de boa Justiça, acabando com a situação desgastante e humilhante que desfrutava. O magistrado manteve, serenamente, sua posição e a Bahia e o Brasil acompanhavam o desenrolar da eleição para a presidência do Tribunal de Justiça; o cenário das eleições de 2002 teve ampla repercussão política, em todo o país, principalmente depois do resultado que consagrou o desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra como líder dos magistrados da Bahia, ao obter 18 dos 28 votos que formava o eleitorado da Corte. 

Cintra criticava a distribuição dirigida de processos, a escolha e nomeação de juízes pelo Executivo; não entendia como não ser pública a distribuição dos processos, como serem os juízes escolhidos e nomeados pelo Executivo e não pelos próprios desembargadores; prometeu e acabou com essa triste e nojenta conjuntura, impondo a transparência no funcionamento da instituição. 

Cintra é, por natureza, um homem humilde, pacificador e reconhecido pelos relevantes serviços com as excepcionais mudanças ocorridas na Justiça; sua simplicidade e humildade cativa a todos que com ele teve ou tenha algum relacionamento. Apesar das profundas modificações no Judiciário, não se registrou ato de indisposição de Cintra com seus colegas ou mesmo com aqueles que não lhe deram o voto, no meio jurídico, no legislativo ou no executivo. Cintra contribuiu sobremaneira para a construção do Estado democrático de Direito, promovendo a coexistência e o respeito mútuo de todos os três poderes; ademais, elevou o amor próprio dos magistrados, antes feridos por quizílias políticas. 

O desembargador foi homenageado em muitos momentos: na Assembleia Legislativa, recebeu a comenda de Cidadão Benemérito da Liberdade e da Justiça Social João Mangabeira, por serviços prestados ao estado como integrante do Ministério Público, presidente do Tribunal Regional Eleitoral e do Tribunal de Justiça da Bahia. Além de títulos, o desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra sempre foi respeitado e cultuado, porque efetivamente marcou mudanças inimaginadas no Judiciário do Estado. 

O ex-governador da Bahia, não pedoou Cintra, quando passou a tratá-lo como desafeto; a ira atingiu todo o Tribunal de Justiça, primeiro com a tentativa de obstaculizar o candidato de Cintra na sucessão, objetivo não alcançado. De nada valeu uma representação dos magistrados baianos contra o ex-senador, no STF, porque arquivada por decisão do então presidente, Nelson Jobim, sob fundamento de imunidade. 

O desembargador não revidou as agressões recebidas e permaneceu tranquilo, no seu posto, liderando toda a magistratura baiana até que deixou o Tribunal, poucos dias antes do tempo para a aposentadoria compulsória. Prestou, indubitavelmente, um grande serviço ao Judiciário da Bahia e do Brasil, porque direcionou o Tribunal de Justiça para o seu verdadeiro caminho sem as amarras que o prendia ao Executivo. 

Salvador, 10 de setembro de 2018. 

Antonio Pessoa Cardoso 
Pessoa Cardoso Advogados.


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