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sábado, 1 de maio de 2021

O VIAJANTE

No Tribunal em Dubai/2016
A história abaixo, escrita em 2016, é real e resume a atribulada carreira do autor, na viagem que empreendeu, como magistrado, entre as comarcas de Oliveira dos Brejinhos, passando por Bom Jesus da Lapa, Barreiras, até Salvador.

 

Dorme-se. Sonha-se. Acorda-se e recorda-se de passado recente.

O trem rumava para o oeste da Bahia e lá ia o viajante. Custou para adquirir o bilhete da passagem Santana/Salvador/Oliveira dos Brejinhos; aqui se deu a primeira parada, em novembro de 1977 e o viajante deslocava-se para cidades próximas, que reclamavam seu trabalho: Boquira, Macaúbas, Botuporã e Ibitiara. O trem não parava, porque outros passageiros deslocavam-se daqui e dali; o viajante, entretanto, desceu em Oliveira dos Brejinhos, onde ficou até o ano de 2000. Com alguma dificuldade apanhou o trem na estação e desembarcou na cidade romeira de Bom Jesus da Lapa; como na primeira parada as cidades de Santa Maria da Vitória, Correntina, Riacho de Santana e Igaporã recebiam com alguma frequência visitas do viajante. Mas não se parou por aí, pois não havia caminho, buscava-se fazer o caminho, caminhando.

A viagem para Barreiras, maior cidade do oeste da Bahia, apresentou alguma dificuldade, mas conseguiu-se embarcar, após uma frustrada primeira tentativa. O viajante não se desanimou e prosseguiu na luta, com a mesma disposição. Sentiu, porque efetivamente o trem não parou na estação. Voltou para casa e recomeçou a luta para aquisição de nova passagem. Não lhe faltou apoio e incentivo de todos quanto lhe acompanhou na maratona dura e pesada. São Desidério, Riachão das Neves, Santa Rita de Cássia e Formosa do Rio Preto faziam parte deste terceiro itinerário. Onze anos se passaram, 1977 a 1988, e não se chegava à capital, destino seguinte do viajante. 

O trauma acentuou-se, na medida em que o bilhete da passagem estava vencido e ao trem não teve acesso o juiz; o operador garantiu nova passagem do trem Barreiras/Salvador no natal de 1988. O trem não veio. Não foi fácil tomar o trem para a capital baiana; as tentativas de embarque não eram coroadas de êxito, porque a lotação não comportava o juiz; somente em 1989 chegou-se a Salvador e a vaga para trabalhar era no bairro de Periperi; aí a carga era incompatível com a habilidade do viajante; não se queixou da incompatibilidade; bairros da Liberdade e de Barris serviram para amaciar a labuta inicial, pois os Juizados Especiais, as Turmas Recursais era paixão do personagem desta história. 

O pior estava por vir. O trem agora passava sempre lotado. Durante 15 anos preparou-se para a curta mais penosa viagem. O destino agora era o Centro Administrativo de Salvador. A primeira providência foi a aquisição do bilhete. Portou-se na estação com a bagagem, mas era sempre a mesma resposta: não tem vaga, o trem está lotado. Durante este tempo, chegou-se a embarcar, mas a lotação não comportava e o viajante retornava para seu posto. Assim, o tempo passou. Como se disse, o ponto do destino não era tão longe, mas o viajante era sempre preterido; tinha gente mais importante e o viajante não buscava ajuda externa. Queria embarcar com suas próprias forças. Não lhe falta incentivo, mas as recomendações originavam-se sempre de pessoas simples, cidadãos que não possuíam prestígio suficiente para facilitar o embarque, apesar do bilhete.

O viajante somente percebeu a possibilidade de embarque no ano de 2002, quando novas regras para embarque e desembarque foram criadas. Os novos condutores do trem tornaram mais transparentes as normas para embarque e desembarque. As pessoas influentes de fora já não tinham tanto comando! As estações sofreram substanciais alterações. Mesmo assim, o viajante lutou por mais quatro anos e só em julho/2006, conseguiu chegar no ápice da carreira iniciada em 1977. 

O viajante tornou-se desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia.  

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados. 

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