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quinta-feira, 9 de setembro de 2021

SAIU NA FOLHA DE SÃO PAULO

STF deixa de reagir em seu campo e se arrasta à política e a notas de repúdio

Bolsonaro explora noção disseminada de que tribunal age mais por motivações políticas do que técnicas

Jair Bolsonaro é um populista autocrata. Isso significa que ele despreza as instituições, rejeita a pluralidade social e deseja implementar um governo iliberal, ou seja, com uma distribuição profundamente desigual de liberdades na sociedade.

É por esse motivo que Bolsonaro se coloca constantemente na condição de único representante do “povo” brasileiro. Para isso, Bolsonaro precisa recorrer a duas ficções.

A primeira ficção é reduzir o “povo brasileiro” a quem o apoia. O resto da população ele rejeita como traidores da pátria ou qualquer outro adjetivo que coloque os discordantes ou mesmo os não entusiastas como “inimigos do povo”.

A segunda ficção determina que o governo deveria ser a concretização dos desejos e vontades do presidente, sem atrasos ou concessões. Por esse motivo isso visa anular a relevância das demais instituições representativas, bem como das instituições de controle.

Esse processo de burla à institucionalidade pode ocorrer de maneiras distintas. Para Bolsonaro o caminho parece ser o de tentar submeter as instituições representativas e de controle à sua vontade. Aquelas que mantêm sua independência também são tratadas como inimigas da nação.

Essa pecha já foi imposta ao Congresso Nacional e aos governos estaduais, mas o principal alvo das recentes manifestações de Bolsonaro tem sido o STF (Supremo Tribunal Federal).

O Supremo já foi pedra no sapato de muitos outros líderes autoritários. Em 1892, Floriano Peixoto ameaçou prender ministros que votassem contra o governo, afirmando que tais ministros precisariam, eles próprios, de habeas corpus. Depois imporia ao STF situações humilhantes envolvendo nomeações para as vagas do tribunal.

Durante o governo de Prudente de Morais (1894-1898), o Supremo era acusado de abalar a harmonia entre os Poderes, enquanto Getúlio Vargas, na década de 1930, demitiu ministros e reduziu salários.

Evidentemente o STF não passou incólume pela ditadura militar de 1964 que, por exemplo, aposentou arbitrariamente três ministros.

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A Constituição de 1988 trouxe uma série de garantias para fortalecer o Judiciário, que também deram mais segurança para o Supremo exercer suas funções de garantir direitos individuais e coletivos, controlar políticas públicas e resolver conflitos federativos e entre Poderes.

Ao longo dos últimos 30 anos o STF aumentou e consolidou sua capacidade de controle sobre agentes poderosos e protagonismo na vida pública.

Contudo, essa centralidade foi alcançada sem que muitos problemas estruturais fossem resolvidos, especialmente a falta de consistência em suas decisões, a flexibilidade das regras processuais e o individualismo radical dos ministros.

Em um ambiente polarizado, conflitivo e instável, a consequência foi inevitável: a noção de que o Supremo é um tribunal que age mais por motivações políticas do que técnicas se disseminou entre boa parte da população. Uma noção explorada em profundidade por Bolsonaro.

Na Venezuela aconteceu algo semelhante. Hugo Chávez assediou a oposição, entrou em confronto aberto com ONGs e sociedade civil organizada, com a mídia e realizou medidas para controlar o Judiciário. As falhas estruturais da Corte Constitucional e o Judiciário foram exploradas ao limite.

Mesmo perante uma Constituição que equilibrou fortes poderes do tribunal com mecanismos de controle sobre seu desempenho, Chávez removeu ministros por razões políticas e garantiu a permanência no tribunal apenas de fiéis ao chavismo, sem atender a critérios formais para favorecer aliados.

Com isso, a Corte Constitucional foi desmantelada na prática, ainda que em teoria as instituições estivessem funcionando normalmente.

Sem dúvida esse seria o projeto ideal para Bolsonaro. Contudo, diferentemente de Chávez, Bolsonaro não aparelhou o Legislativo. O Senado, em especial, tem cumprido sua função contramajoritária.

O que lhe sobra então é algo mais extremo: continuar a minar a reputação do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), para que se torne cada vez mais factível desobedecê-los sem consequência real, inclusive desrespeitar o resultado da disputa de 2022.

Como o Supremo pode reagir diante de um cenário tão extremo? A rota por manter o protagonismo político parece equivocada, já que aumenta as razões de quem o acusa de politização. Dar lições aos brasileiros e aos agentes públicos por meio de notas não tem trazido sucesso ao tribunal.

Sobram opções dentro de sua atividade clássica: utilizar suas decisões para calibrar a competição institucional, como fez tantas vezes, para que as instituições políticas sejam capazes de impor freios a aventuras autoritárias.

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Foi assim quando determinou que o presidente do Senado não poderia impedir a instalação da CPI da Covid ou quando determinou que Bolsonaro só poderia regular a pandemia por regras gerais, sem anular diretamente as medidas de distanciamento social estabelecidas pelos governadores.

Infelizmente, o Supremo não utilizou seus poderes para regular adequadamente as relações de poder em processos de impeachment.

Até agora foram rejeitadas duas ações em que se pedia para regular o poder do presidente da Câmara dos Deputados, para que tivesse o dever de dizer se deferia ou não os pedidos, ao invés de mantê-los sem qualquer avaliação.

O resultado é inegável: o presidente da República se sente à vontade para ameaçar o STF e o TSE de maneira explícita.

Por enquanto, o Supremo tem perdido as oportunidades de reagir no seu campo de batalha, deixando-se arrastar para o campo da política e das notas de repúdio. A história não trata com gentileza quem ignora suas lições.

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