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domingo, 26 de junho de 2016

CINQUENTA ANOS ESTA NOITE José Serra - O Golpe, a Ditadura e o Exílio

De autoria do atual ministro do Exterior, José Serra, esse livro da Editora Record, lançado em 2014, mostra versão do movimento que implantou a ditadura no Brasil, em 1964; sabe-se das perseguições a muitos líderes políticos, inclusive e principalmente ao próprio autor, que presidia a União Nacional dos Estudantes, UNE, na época, com significativa liderança nos movimentos sociais.

Serra, na condição de líder estudantil, jovem de 21 anos, teve aproximação com grandes lideranças nacionais, a exemplo do próprio presidente João Goulart, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Juscelino Kubitschek e muitos outros. 

O estilo é bastante simples e deixa o leitor curioso pelo encadeamento dos fatos com o qual conviveu intensamente com as lideranças nacionais; traz ocorrências dos poucos meses do governo de Jânio Quadros e sua renúncia, seguido da resistência dos militares à posse do vice-presidente, João Goulart; narra a rebelião dos sargentos, em setembro/1963, responsável pela detenção de oficiais militares, do presidente em exercício da Câmara dos Deputados e do presidente do STF. Os militares insurgiram contra uma decisão judicial que cassou o mandato de sargentos eleitos deputados, em 1962. Poucas horas depois de iniciado, o movimento foi controlado pelo Exército, que prendeu 500 sargentos; Goulart saiu enfraqurecido, apesar do apoio dado à punição dos rebelados. Brizola e a Frente Parlamentar Nacionalista aplaudiram os insurgentes; o autor conta a derrubada do governo João Goulart, o discurso utilizado pelos udenistas e pela FPM, a mentira “plantada” de ameaça de comunismo no Brasil; a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, TFP, que apoiaram o golpe e saíram às ruas com o povo, na crença de que estavam combatendo o comunismo. Esclarece que a data correta do golpe foi 1º de abril e não 31 de março. 

“O medo da cubanização do Brasil” impulsionou as marchas do povo nas ruas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Jango foi convidado para continuar no poder, sob a tutela militar, mas não aceitou, selando seu destino, porque não preparou a resistência.

José Serra tornou-se presidente da UNE aos 21 anos, em julho de 1963, e teve de mudar para o Rio de Janeiro, morando na própria sede da UNE; era ouvido com muita atenção e respeito pelas lideranças nacionais; manifestou-se contra o estado de sítio, pretendido por Jango com o objetivo de intervir no antigo Estado da Guanabra, governado por Carlos Lacerda, e São Paulo, por Adhemar de Barros. 

Os militares no poder promoveram a invasão da sede da UNE que foi incendiada; Serra escondeu-se para não ser preso até buscar proteção na Embaixada da Bolívia; aí permaneceu por oitenta dias, sem receber o salvo-conduto, concedido a todos os outros que estavam na exilados; rememora fatos importantes dos anos 50 e 60, como a Revolução Cubana e a tentativa de invasão com ajuda americana da Baia dos Porcos, em 1961; a industrialização do Brasil e os golpes fracassados de 1955 e 1961; as reformas originadas do Estatuto da Terra, Estatuto do Trabalhador Rural, remessa dos lucros para o exterior; o Ato Institucional n. 1 e as cassações de mandatos de inúmeros políticos. 

Após 80 dias, Serra embarca para La Paz, mas a tentativa de obter passaporte na Embaixada brasileira foi infrutífera. A Bolívia era a nação mais pobre da América do Sul. Com as amizades conquistadas no exterior, 40 (quarenta) dias depois da chegada em La Paz, conseguiu um salvo conduto e desembarcou em Paris, onde se sentiu seguro; admirava o presidente Charles de Gaulle, assim como o ministro da Cultura, o célebre escritor André Malraux. Conta a influência que Regis Debray, escritor francês, exerceu sobre os estudantes brasileiros e latino-americanos.

Com passaporte falso, programou o retorno ao Brasil, através de Santiago, Argentina e Uruguai, este país mais democrático da América Latina, na década de 60. Chegou a São Paulo e permaneceu como clandestino; frequentou a casa de amigos, viu muitos filmes e teatro, leu bastante. Nesse interim, soube de um IPM, Inquérito Policial Militar, aberto por determinação do general Kruel, com possibilidade de condenação. As denúncias eram de atividades subversivas, tais como: comparecer a homenagem ao russo Yuri Gagarin, ou pelo fato de ter chorado, quando se falou da União Soviética, fatos mentirosos e sem o menor cabimento para caracterizar qualquer crime, mesmo no regime ditatorial. 

Para não ser preso, deixou o Brasil de navio, saindo de Santos para Buenos Aires e depois rumou de trem para Santiago, onde deu aulas de matemática para sobreviver e conseguiu função remunerada do governo chileno. O autor lamenta a invasão da República Dominicana pelo governo brasileiro e mostra o erro da estratégia para a América Latina, montada por Che Guevara e Fidel Castro. O AI-5 aumentou o número de exilados no Chile, onde também teve um golpe militar, chefiado por Pinochet; na Argentina o governo de Arturo Illia, em 1966, foi desmontado e, em 1976, o general Rafael Videla implantou uma ditadura sanguinária no país. 

A pós graduação, no Chile, possibilitou-lhe dedicar ao magistério na área de economia, sua paixão intelectual. No governo Allende, Serra prestou assessoria ao Ministério da Fazenda. 

Em Santiago, Serra soube de sua condenação a três anos de prisão pela Auditoria Militar de São Paulo. O passaporte que lhe fora negado, conseguiu em Santiago, mas teve de devolver, conforme exigência do governo brasileiro. O pai de Serra era italiano o que lhe possibilitou a obtenção de passaporte do governo da Itália. No aeroporto para deixar o país foi preso, e a família prosseguiu viagem para Buenos Aires; depois de liberado, exilou-se na embaixada, onde ficou por 6 (seis) meses até receber o salvo conduto e deslocar-se para Roma, em maio/1974; fato semelhante aconteceu, no Brasil, quando permaneceu na embaixada da Bolívia sem poder sair, porque lhe negavam o salvo-conduto. Deixou a Europa e desembarcou nos Estados Unidos; narra a ajuda proporcionada pelas aulas de Economia e o aprimoramento de seus conhecimentos de Economia em faculdades americanas.

Quando sua condenação prescreveu, decidiu retornar ao Brasil e a vitória de Jimmy Carter deu novo rumo à política dos Estados Unidos para a América Latina. O desembarque no Brasil só ocorreu em 1977; não foi preso, mas submetido a interrogatório na policia. Conta as diferenças encontradas na desordenada cidade de São Paulo, com grande movimento de carros, a degradação de avenidas, as conversas em português, desacostumado, durante os 13 anos de exílio e diz que saiu do Brasil como noviço agitador e voltou como professor adulto. 

Em 2009, Serra, na condição de governador de São Paulo, recebeu Carter e elogiou os Estados Unidos pelo tratamento recebido.

Enfim, é um bom livro para quem participou dos movimentos da época, como eu, no Rio de Janeiro, mas também para quem interessa pela história do Brasil, nos dias negros da ditadura militar. 

Salvador, 26 de junho de 2016.

Antonio Pessoa Cardoso.
Pessoa Cardoso Advogados.

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