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quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

AS OBRIGAÇÕES FINANCEIRAS E O CORONAVÍRUS

A Organização Mundial de Saúde, OMS, em março/2020, declarou a pandemia do novo coronavírus no Brasil e no mundo, cenário que alterou bastante as relações em todos os segmentos, especialmente as comerciais, no que se refere ao cumprimento de obrigações financeiras. No mesmo mês, o CNJ editou a Resolução 313/2020, determinando a suspensão de prazos processuais até abril/2020. Evidente que estes atos não implicaram nem implicam em suspensão ou mesmo adiamento de todas as obrigações financeiras assumidas. A estas normas seguiram inúmeras medidas econômicas, originadas do Poder Público, tratando, por exemplo, da dívida ativa, adiamento de taxas e impostos, além de muitas outras. Induvidosamente, a situação é emergencial em saúde pública, daí porque inevitavelmente muitos contratos serão descumpridos, porque cenário fora do controle das partes.  

Na área privada, essas relações contratuais, nesses tempos, reclamam invocação das teorias da força maior, caso fortuito, imprevisão ou onerosidade excessiva. Com efeito, o Código Civil estabelece que "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado". A força maior é definida com fatos humanos que não podem ser evitados, mesmo que previsíveis, a exemplo da pandemia do coronavírus. Neste caso, pode haver até mesmo revisão do contrato, suspensão temporária ou rescisão. Os casos fortuitos são aqueles que não podem ser previstos, a exemplo de terremotos. Diante deste quadro, o descumprimento da obrigação financeira, em virtude da força maior, do caso fortuito, da imprevisão ou da onerosidade excessiva não pode implicar em automática penalização do devedor. Devem ser consideradas as particularidades da situação imprevisível, responsável pela diminuição do patrimônio e dos recursos disponíveis para uma das partes, capazes de impossibilitar o cumprimento da obrigação assumida. O cenário torna-se extraordinário, e pode oferecer alguma facilidade para solução, se uma das partes é uma instituição bancária com contrato celebrado e parcelas a serem reembolsadas a longo prazo.

A força da pandemia constitui conjuntura excepcional passível de ser enquadrada no insólito contexto que leva à busca de meios para evitar o descalabro geral tanto para pessoa física quanto para as empresas. As leis contemplam esta excepcionalidade e, portanto, há de se encontrar recursos para dilatar prazos, parcelar débitos, sem, evidentemente, suprimir as obrigações assumidas. Nessas condições o juiz não pode sustentar-se unicamente nas concepções jurídicas, desleixando de considerar as concepções humanas, ocorridas sem participação alguma das partes, para solucionar o quadro dantesco que lhe aparece para definir.   

A jurisprudência sobre o assunto é farta: "Razoável assumir-se que a situação gerada pela pandemia do coronavírus pode ser enquadrada como "acontecimento extraordinário e imprevisível", na dicção do art. 478 do Código Civil", definiu o desembargador Cesar Ciampolini, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Frisou o magistrado: "O fato é que a emergência nacional que vivemos aconselha ao juiz que a normal cautela, de não se proferir decisões de natureza gravosa àquele que ainda não foi ouvido, deva ser mitigada. Há como que uma presunção hominis de boa razão, a militar em prol da pretensão da parte devedora nos contratos de longa duração".   

Salvador, 01 de dezembro de 2020.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.


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