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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

DIREITO À SAÚDE NÃO COMPORTA RELATIVIZAÇÃO

A judicialização das políticas de saúde é tema que preocupa o Judiciário de maneira geral, ao ponto de o CNJ ter expedido a Resolução n. 107 de 6/4/2010, instituindo o Fórum Nacional do Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde e a Recomendação n. 31 de 30/3/2010 que procura subsidiar os magistrados para maior eficiência do sistema nas demandas relativas à saúde, a exemplo de sugerir a instrução do processo com relatórios médicos, descrevendo a doença. 

Esse direcionamento não significa distorção de competências, mas constitui apoio ao cidadão como última alternativa para obtenção do direito constitucional à saúde, consistente, por exemplo, no recebimento de medicamento, que não se esgota com o fornecimento daqueles enumerados pelo SUS, mas amplia para alcançar o remédio anotado na prescrição médica. O simples agendamento de consultas e o internamento constituem dificuldades que impõem ao cidadão a busca do Judiciário para garantir seu direito à saúde. Com muita frequência, esses direitos elementares são negados ou postergados pelos agentes do poder público. Portanto, o fundamento da reclamação é de ordem constitucional e legal e resulta de comissão ou omissão do poder público. 

Os noticiários mostram todos os dias o caos no qual a saúde pública brasileira está envolvida: superlotação das unidades de saúde, ao ponto de pacientes esperar por meses para atendimento; falta de medicamentos e dos mais simples suprimentos médicos, escassez de médicos e tantas outras omissões na garantia desse direito constitucional. 

Os magistrados do Brasil tem demonstrado zelo com essa situação e os governantes exprimem aborrecimento, porque são fustigados a todo momento que negam o medicamento, a consulta ou o internamento; o motivo de um e outro sentimento situa-se na obediência constitucional por parte dos primeiros; o executivo, entretanto prefere desempenhar papel formalista na política de saúde, implicando esse caminho na retenção de recursos e distribuição para outras “prioridades”, a exemplo da publicidade, onde não se constata falta de verbas. A alegação de inexistência de recursos orçamentários não pode provocar justificativa para o não reconhecimento do direito subjetivo constitucional do cidadão, pois o embate entre orçamento público equilibrado e saúde pública, evidentemente, faz prevalecer o direito à vida, à saúde; aquele deve adequar-se a este e nunca o inverso. 

O direito à saúde é de natureza social, art. 6º da Constituição, concretizando na própria existência do homem e extrapolando a fronteira jurídica individual para alcançar o coletivo como um todo. Saúde, educação e moradia não podem nem devem constituir direitos exclusivos de parcela da população, com observância de conveniências sociais ou culturais, mas tem de ser de âmbito universal. Essa situação não admite alteração, nem relativização, como reclamam os governantes. Afinal, a saúde não é um bem de mercado e portanto não pode ser reprimida. 

O Sistema Único de Saúde, SUS, tem a obrigação de promover o tratamento ao doente, compreendendo consultas, remédios, cirurgias, exames laboratoriais, tomografias, raios-X, ultra-sonografias, radioterapia, quimioterapia, etc. Juntamente com a Previdência e Assistência Social prestam-se para assegurar a dignidade do cidadão, concretizando o direito a um dos ramos da Seguridade Social, que, de acordo com a Constituição, art. 194, “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.

Quem não se lembra do imbróglio criado com os genéricos! 

O decreto dos genéricos foi expedido no ano de 1993, mas questionado por ações judiciais não pôde ser executado; somente em 1999, portanto seis anos depois, foi sancionada lei que autorizava a produção e venda dos remédios genéricos. O interesse econômico dos laboratórios foi demonstrado em 1993 e em 1999, porque firme o boicote de acesso do consumidor ao medicamento mais barato, ao ponto de serem multados pelas estratégias postas em prática. Sabe-se que o medicamento genérico contém o mesmo princípio ativo, mesma dosagem e forma farmacêutica, diferente do tradicional apenas porque não possui marca. 

Enfim, a judicialização da saúde tornou-se necessária para evitar o descaso total com a saúde pública. 

Salvador, 22 de fevereiro de 2016.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.

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