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sexta-feira, 20 de junho de 2025

SAIU NO CORREIO BRAZILIENSE

Cobrança de dívida prescrita não é negociação, é violação de direitos

"Do ponto de vista da boa-fé objetiva, que rege as relações contratuais e consumeristas, a insistência em comunicar dívidas prescritas sem esclarecer adequadamente sua natureza pode caracterizar abuso"

 Por Opinião

postado em 19/06/2025 04:30
Renato Rocha, advogado e fundador do projeto Justiça Para Todos -  (crédito: Divulgação)
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Renato Rocha, advogado e fundador do projeto Justiça Para Todos - (crédito: Divulgação)Por Renato Rocha* — A cobrança de dívidas prescritas é tema recorrente no Judiciário brasileiro e continua gerando debates sobre seus limites jurídicos, especialmente quando se trata da exposição do devedor em plataformas como Serasa Limpa Nome. A prescrição de uma dívida implica na perda do direito de ação do credor para cobrar judicialmente o débito. Contudo, isso não significa a extinção da obrigação em si. A dívida ainda existe no plano moral e financeiro, mas não pode mais ser exigida de forma coercitiva pelo Judiciário. Ainda assim, há práticas que tensionam esse entendimento e colocam em xeque os direitos fundamentais dos consumidores. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a inclusão de um devedor em uma plataforma de negociação de dívidas não configura, por si só, uma forma de cobrança indevida, mesmo que o débito esteja prescrito. Para o STJ, trata-se de uma simples oferta de acordo que não implica coação ou exposição vexatória. No entanto, é preciso refletir se essa suposta "simples comunicação" não representa uma tentativa de driblar os efeitos jurídicos da prescrição

O Código de Defesa do Consumidor assegura que nenhuma prática pode ofender a dignidade do consumidor ou lhe causar constrangimento indevido. Ao receber mensagens insistentes, em tom de urgência ou com vocabulário ambíguo, o consumidor pode sentir-se pressionado a quitar uma dívida sobre a qual o ordenamento já reconhece não haver mais exigibilidade judicial. Isso é ainda mais grave quando essas comunicações induzem ao erro, sugerindo que o não pagamento da dívida pode gerar sanções ou bloqueios. Não é raro que pessoas com menos conhecimento jurídico acabem pagando débitos prescritos acreditando que terão seus nomes negativados novamente ou que sofrerão outras consequências legais. Há um desequilíbrio evidente nessa relação

Do ponto de vista da boa-fé objetiva, que rege as relações contratuais e consumeristas, a insistência em comunicar dívidas prescritas sem esclarecer adequadamente sua natureza pode caracterizar abuso. O credor que omite o fato da prescrição e apresenta a dívida como exigível ou urgente incorre em prática desleal, ainda que se escude no argumento de que apenas está oferecendo uma oportunidade de negociação. Além disso, algumas decisões judiciais têm reconhecido que esse tipo de abordagem configura dano moral, sobretudo quando se observa reincidência e ausência de transparência. Não se trata de negar o direito do credor de registrar o valor como perda e tentar reaver, por meios lícitos, parte do montante. Mas, sim, de reconhecer que há limites éticos e legais nesse esforço. A cobrança não judicial de dívida prescrita exige o máximo de clareza, sob pena de transformar a liberdade contratual em instrumento de opressão.

É importante destacar que a prescrição é um instituto de ordem pública e está diretamente ligada à segurança jurídica. Permitir que credores continuem abordando consumidores sem os devidos cuidados, mesmo após a prescrição, esvazia o sentido dessa garantia. A mera exclusão do nome do consumidor dos cadastros restritivos não é suficiente se, na prática, ele segue exposto a cobranças indiretas que ameaçam sua tranquilidade. O respeito à prescrição protege não apenas o devedor, mas também o próprio sistema jurídico, garantindo previsibilidade, estabilidade e confiança nas relações econômicas. O Judiciário deve continuar vigilante para evitar que a cobrança de dívidas prescritas se torne um atalho para práticas abusivas disfarçadas de negociação amigável. O equilíbrio entre o direito do credor e a proteção do consumidor exige mais do que formalidades. Requer transparência, ética e, sobretudo, respeito à lei.

Advogado e fundador do projeto Justiça Para Todos*

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