Cobrança de dívida prescrita não é negociação, é violação de direitos
"Do ponto de vista da boa-fé objetiva, que rege as relações contratuais e consumeristas, a insistência em comunicar dívidas prescritas sem esclarecer adequadamente sua natureza pode caracterizar abuso"
Por Opinião

O Código de Defesa do Consumidor assegura que nenhuma prática pode ofender a dignidade do consumidor ou lhe causar constrangimento indevido. Ao receber mensagens insistentes, em tom de urgência ou com vocabulário ambíguo, o consumidor pode sentir-se pressionado a quitar uma dívida sobre a qual o ordenamento já reconhece não haver mais exigibilidade judicial. Isso é ainda mais grave quando essas comunicações induzem ao erro, sugerindo que o não pagamento da dívida pode gerar sanções ou bloqueios. Não é raro que pessoas com menos conhecimento jurídico acabem pagando débitos prescritos acreditando que terão seus nomes negativados novamente ou que sofrerão outras consequências legais. Há um desequilíbrio evidente nessa relação
Do ponto de vista da boa-fé objetiva, que rege as relações contratuais e consumeristas, a insistência em comunicar dívidas prescritas sem esclarecer adequadamente sua natureza pode caracterizar abuso. O credor que omite o fato da prescrição e apresenta a dívida como exigível ou urgente incorre em prática desleal, ainda que se escude no argumento de que apenas está oferecendo uma oportunidade de negociação. Além disso, algumas decisões judiciais têm reconhecido que esse tipo de abordagem configura dano moral, sobretudo quando se observa reincidência e ausência de transparência. Não se trata de negar o direito do credor de registrar o valor como perda e tentar reaver, por meios lícitos, parte do montante. Mas, sim, de reconhecer que há limites éticos e legais nesse esforço. A cobrança não judicial de dívida prescrita exige o máximo de clareza, sob pena de transformar a liberdade contratual em instrumento de opressão.
É importante destacar que a prescrição é um instituto de ordem pública e está diretamente ligada à segurança jurídica. Permitir que credores continuem abordando consumidores sem os devidos cuidados, mesmo após a prescrição, esvazia o sentido dessa garantia. A mera exclusão do nome do consumidor dos cadastros restritivos não é suficiente se, na prática, ele segue exposto a cobranças indiretas que ameaçam sua tranquilidade. O respeito à prescrição protege não apenas o devedor, mas também o próprio sistema jurídico, garantindo previsibilidade, estabilidade e confiança nas relações econômicas. O Judiciário deve continuar vigilante para evitar que a cobrança de dívidas prescritas se torne um atalho para práticas abusivas disfarçadas de negociação amigável. O equilíbrio entre o direito do credor e a proteção do consumidor exige mais do que formalidades. Requer transparência, ética e, sobretudo, respeito à lei.
Advogado e fundador do projeto Justiça Para Todos*
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