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quarta-feira, 2 de maio de 2018

OS MINISTROS QUEREM LEGISLAR

A Constituição, art. 102, estabelece que o STF tem como função principal “a guarda da Constituição”. Assim, a atuação da Corte não se prende em legiferar, mas, pelo contrário, deve operar no trabalho para invalidar leis que desobedecem preceitos constitucionais; é como se fosse um “legislador negativo”. Todavia, a história mostra que a soberania popular, atinente ao Legislativo, perde, seja pela incúria do legislador, seja pela aventura do Judiciário, interferindo para acobertar a omissão legislativa. E mais: a lei, todas as leis, para serem aplicadas depende do humor de cada um dos onze STFs.

A função do Legislativo é especificamente a de elaborar leis para regular o Estado e seus cidadãos. Para o exercício dessa função, exige-se a representatividade, obtida através do voto em eleições. São os senadores, deputados federais e estaduais, além dos vereadores, eleitos para essa atividade. O Judiciário é o único dos três Poderes que não tem essa representatividade, portanto, eventuais preceitos originados dele Judiciário não refletem a vontade do cidadão.

Se adotássemos a common law estariam os juladores autorizados a estabelecer normas através de decisões. No sistema do Brasil, que difere do americano, o maistrado não pode deixar de cumprir a lei, substituindo a vontade do legislador, porque não recebeu poderes para isso, diferentemente do legislador que possui mando para representar a vontado do povo. O juiz deve ser o grande crítico da lei, pois seu compromisso é com o direito, com a Justiça.

O Legislativo é inoperante, mas essa qualidade não pode implicar em permitir a outro Poder o direito de ocupar seu espaço. O Judiciário, através dos ministros, diante desse cenário, interfere nas atividades exclusivas do Legislativo e promove seu marketing politico, através da transmissão de suas sessões, pelas entrevistas nos jornais, nas TVs e pelo atendimento da grita do povo, esquecendo propositadamente de obediência aos ditames da lei. Essa não é missão do sistema incumbido de obrigar no cumprimento das leis. 

A conduta dos integrantes da mais elevada Corte do país é aceita, mesmo diante de certas práticas incompatíveis com o ofício, e o Senado Federal, que poderia modificar essa situação, tem, por hábito, não movimentar processos de pedidos de impeachment contra os ministros. Nesse "espetáculo", eles enchem o peito e fazem o que querem, porque sabem que ninguém será capaz de barrar-lhes os passos. Há uma rebeldia orquestrada contra os legisladores e a cada dia aumenta ainda mais a insubordinação. 

A admissão da união estável homoafetiva, que ocorre quando se tem atração por pessoa do mesmo sexo, estabelecida por decisão descabida do STF, em 2011, não está prevista na legislação ordinária e muito menos na Constituição, que, pelo contrário, reconhece como entidade familiar a união estável entre homem e mulher. Que poder recebeu o STF para ingressar num espaço que não lhe pertence, violando inclusive a preceito constitucional? 

O ministro Luiz Roberto Barroso mudou a lei para assegurar não ser crime o aborto, se praticado até o terceiro mês de gestação, confrontando com o Código Penal. No voto, proferido em julgamento para decidir sobre a revogação de prisão de pessoas envolvidas em aborto, disse o ministro: “A interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada, pelo menos, durante o primeiro trimestre da gestação". Prosseguiu, na manifestação, para explicar sobre o desenvolvimento do feto e conclui para pedir a exclusão do âmbito dos arts. 124 e 126 do Código Penal o aborto, nos três primeiros meses.

Essa prática de absoluta independência, interferência indevida e comando do país registra-se, no uso abusivo da decisão monocrática, a exemplo do ministro Luiz Fux sobre o auxílio moradia, no longínquo ano de 2014; concedeu o benefício para todos os juízes e estendeu até mesmo para quem tem imóvel no local onde trabalha; para cumprir “sua lei”, segurou o processo em seu gabinete até dezembro/2017, quando liberou e, no Plenário, o ministro, surpreendentemente, retira o processo da pauta, sob o fundamento de que as partes manifestaram interesse em conciliação. Passado um mês, não se tem mais notícia da movimentação do processo. Indaga-se, porque o ministro não buscou a conciliação nos quatro anos que o processo ficou paralisado no seu gabinete? 

Os ministros tem de conscientizar-se de que legislar é função de quem disputou votos, pois o povo é o construtor do direito, expedir decretos é encargo do presidente da República, porque tarefa autorizada a quem se submeteu ao teste da votação.

Os ministros, cada qual ao seu modo, sentem-se donos do poder e interferem em todos os momentos na vida da República, afrontando a tripartição dos poderes, alicerce maior do Estado Democrático de Direito. 

Salvador, 28 de abril de 2018.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.

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