Pesquisar este blog

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

A URNA E A TOGA

Os politicos, grande parte dos eleitores, e muitos intelectuais, leigos em matéria de direito, não sabem diferenciar a abissal distância entre a urna e a toga. Em função dessa insipiência, o julgamento de um político pelos tribunais é dimensionado, não pelo que ele praticou, por exemplo, no cometimento de um crime, mas essencialmente pela popularidade adquirida, elevando-o ao altar dos ininputáveis, por considerar seus feitos na área política e social. Não é a-toa que se registra, com muita frequência, políticos condenados ou presos, merecendo aplauso popular, assim que deixa a prisão. 

A urna, apesar de operada e fiscalizada pelos magistrados, está mais próxima do Executivo e do Legislativo. Ela é o receptáculo dos votos (julgamento) dos eleitores, que não prestam obediência alguma à lei ou ao processo para a opção na urna eleitoral; apenas clica no nome do seu candidato preferido e traça o destino do político, conferindo-lhe o poder, dependendo simplesmente do quantitativo de votos. A contabilidade dos números na urna é suficiente para “julgar” este ou aquele candidato como competente para exercer, dirigir ou influir no destino de um município, de um estado ou de um país. Assim, conclui-se que o político vive em função do grito popular.

Diferente é a toga, paramento, apropriado ao magistrado que se submete a concurso público de provas e títulos para obter esse título, sem necessidade de apoio popular. Aprovado no concurso é nomeado para o exercício do cargo de juiz de direito, integrando o Poder Judiciário. A toga exige de quem a usa, a consulta às leis para proferir qualquer decisão. A máscara de vítima pode influir no julgamento dos eleitores, mas nunca persuadir a convicção de quem julga.

Enquanto o julgamento da urna não comporta recursos, o pronunciamento da toga exige reapreciação do veredito judicial por uma, duas ou mais vezes; enquanto a urna não reclama técnica alguma para decidir, a manifestação da toga impõe procedimentos a serem respeitados; a urna conta, a toga decide; a urna é procurada, enquanto a toga é acionada. 

O sistema intrincado da máquina judiciária não permite ao juiz iniciar processos contra qualquer criminoso, como quer o cidadão, quando depara com um amigo penalizado, enquanto o inimigo não é chamado pela Justiça. É que, compete ao advogado ou ao Ministério Público levar o caso ao juiz, sem o qual não haverá manifestação do julgador. 

No caso de um crime, só depois de recebida a denúncia, originada do que a polícia apurou, no inquérito, tornará réu, e, a partir desse momento, serão analisadas as provas, os indícios, nos autos, tramitando então a instrução processual, consistente na manifestação da acusação e da defesa. 

Nessa oportunidade, as provas indiciárias, testemunhais, periciais e documentais são apresentadas para firmar a convicção do julgador, e, em consequência, o pronunciamento judicial, através de uma sentença; esta é submetida a um Tribunal que reaprecia o processo com os mesmos elementos produzidas na 1ª instância e dita sua definição por meio de um acórdão. 

A lei penal, que o magistrado se obriga a respeitar, considera indício “a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato principal, autorize, por indução, a concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Em linguagem popular, diz-se que indício aponta, a exemplo da fumaça que sugere a exisência de um fogo. No caso, a fumaça é o indício, que deve ser substanciado por outros indícios, uma pessoa correndo e afirmando que tem um fogo adiante, ou pela prova material, a destruição de uma casa pela ação do fogo. O juiz não pode condenar somente com um indício, mas pode e deve penalizar com a existência de dois ou mais indícios, principalmente se vierem seguidos de outras provas, como testemunhas e, mais recentemente, com a delação, ou com perícias. 

Um estuprador, normalmente não deixa prova material do crime praticado, mas as circunstâncias, os indícios que a investigação apura levam ao autor do delito. Portanto, para condenar não se exige a prova escrita ou mesmo material do crime, mas circunstâncias em torno do crime que apontem na direção do criminoso. 

Depois de tudo isso, conclui-se que a urna não pode condenar ou absolver um politico pelo cometimento de um crime; Fernando Collor de Mello foi afastado da presidência por corrupção, mas voltou ao senado pelo voto popular. 

A urna não deixa de votar no criminoso, e, frequentemente, aplaude, mas a toga, independentemente de sua ideologia, de sua boa ou má administração, tem o dever de impedir que o “ficha suja” dispute um cargo político, em nome da democracia. 


Salvador, 2 de fevereiro de 2017.

Antonio Pessoa Cardoso
Pessoa Cardoso Advogados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário