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segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O JUIZ NA DEMOCRACIA MODERNA

No Brasil e em todo o mundo, sejam os países que embasam seu sistema judiciário na common law, sejam aqueles que se sustentam na civil law, tem sido intenso o debate sobre o papel do juiz na democracia do mundo atual. Enquanto se trava toda essa polêmica, o poder político desvia-se para os tribunais. As definições sobre inúmeros aspectos da vida política, anteriormente de competência e solucionada pelo Legislativo ou pelo Executivo, transferiu-se do âmbito do Parlamento e do Palácio para o Judiciário. E isso ocorre, principalmente, depois da Constituição de 1988, que consignou um número bastante grande de direitos sociais, retiradas do sistema político e absorvidas pelo Judiciário.

Tornou-se comum o questionamento de leis consideradas inconstitucionais, devido mais à perda do poder pelo político do que mesmo em face do texto da norma. 

O Judiciário é o único dos três poderes, que só se manifesta, quando chamado para se pronunciar sobre qualquer tema, ainda mais acerca do funcionamento do Legislativo ou do Executivo, gerando daí o protagonismo conferido aos tribunais pelos outros poderes. Neste raciocínio, cai por terra a afirmação de usurpação de poder para entender-se como o novo sentido da democracia moderna, que não distingue o direito de um interesse politico. 

Não se entende é a usurpação de poderes da própria Corte, quando os ministros ditam as regras através de decisões liminares, que quase nunca são submetidas ao colegiado. O livro “Onze Supremos” retrata muito bem essa situação anômala, mas que se tornou absolutamente comum, apesar de depor contra a própria Corte e não ser tratada na Constituição, que reconhece a competência do Plenário. Há como se fosse uma luta contra o plenário da Corte pelos ministros, onde cada um interpreta de sua forma o que deveria ser matéria do colegiado. 

O cientista político norte-americano, Chester Neal Tate conceituava a judicialização na política como sendo “o fenômeno que significa o deslocamento do polo de decisão de certas questões que tradicionalmente cabiam aos poderes Legislativo e Executivo para o âmbito do Judiciário”. O celebrado autor enumera uma séria de condições facilitadores para a judicialização na política, dentre outras os seguintes: a promulgação da Constituição de 1988; a universalização do acesso à justiça; a ampliação do espaço reservado ao STF; a ampliação do rol dos legitimados ativos a propor a ação direta de inconstitucionalidade; a hipertrofia legislativa; a institucionalização da ordem democrática; o uso dos tribunais por grupos minoritários.

A judicialização tornou-se bastante significativa, na política nacional, quando o Judiciário definiu o rito do processamento do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff ou quando afastou o presidente da Câmara dos Deputados e decretou sua prisão. Tornou-se comum levar ao Judiciário todas as materias nas quais os parlamentares não chegam a um acordo. 

A Corte, em 2015, foi chamada para decidir sobre a eleição da Mesa Diretora do Senado, mas o inusitado foi a convocação do STF para permitir que cônjuges de deputados pudessem usar passagens aéreas de seus esposos. Quando se debatia sobre a menoridade penal, foi protocolada, no Supremo, uma ação para suspender o andamento da Proposta de Emenda Constitucional. O reconhecimento da união estável entre casais homoafetivos, considerada como entidade familiar; a decisão que reconheceu não se tratar de crime de aborto o fato de antecipar o parto em caso de gravidez de feto anencefálico são outros casos levados ao Supremo.

Apesar de poucos os casos, o STF tem-se limitado sua própria ação de intervir nos outros poderes, como ocorre com a recusa em “controlar os pressupostos constitucionais da edição de Medidas Provisórias” pelo governo federal ou na resistência em criar norma in concreto, nas hipóteses de mandado de injunção. 

Diante desse panorama, e sempre que chamado cabe ao Judiciário constranger os infratores a determinado comportamento, e essa constrição, quando não é a ingerência comum e assegurada pelos códigos, é denominada de judicialização, que, em consequência, cria uma “indústria de processos”, mas, comumente diante da omissão do poder competente, necessária para a paz social. 

O descumprimento das leis editadas pelo próprio gestor e pelo legislador, a exemplo, dos planos de saúde, das empresas de telefonia, de energia, aéreas, as financeiras e bancos, que deveriam ser fiscalizadas e punidas pelas agências reguladoras, só cumprem as normas depois da manifestação do Judiciário. Não se alegue falta de recursos das agências reguladoras, porquanto a imprensa noticia que esses órgãos possuem mais servidores do que a Câmara e o Senado juntos; enquanto a Anvisa dispõe de 1.994 funcionários, a Anatel tem 1.511, a Anac conta com 1.429; a ANP emprega 807 pessoas e a Ancine tem 401 servidores.

Esse chamamento do Judiciário para solucionar problemas internos do Legislativo contribui para aumentar o poder dos juízes, na visão do ex-presidente da Corte, Nelson Jobim. 

O certo é que o ativismo implica em reconhecer ao juiz, em muitos momentos, um papel distanciado da mera interpretação literal da lei para assumir uma função criativa, formulando entendimento que se incorporará à jurisprudência. De qualquer forma, há de ter certo equilíbrio, porquanto a atuação excessiva ou a extrema limitação do poder do juiz, nos problemas da comunidade, leva à insegurança jurídica ou ao descaso em relação aos direitos fundamentais do cidadão. 

Salvador, 11 de setembro de 2017.

Antonio Pessoa Cardoso.
Pessoa Cardoso Advogados.

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